Antologia: do grego anthos, flor, e lego, escolher, o que veio a dar florilégio - é sinónima de colectânea, compilação, miscelânia, florilégio, analectos, selecta e crestomatia.
28 de fevereiro de 2010
27 de fevereiro de 2010
26 de fevereiro de 2010
25 de fevereiro de 2010
24 de fevereiro de 2010
Sou um evadido
23 de fevereiro de 2010
22 de fevereiro de 2010
Amélia dos Olhos Doces
Amélia dos Olhos Doces
quem é que te trouxe
grávida de esperança?
Um gosto de flor na boca.
Na pele e na roupa
perfumes de França.
Cabelos cor de viúva.
Cabelos de chuva.
Sapatos de tiras
e pões, quantas vezes
não queres e não amas
os homens que dormem
contigo na cama.
Amélia dos Olhos Doces
quem dera que fosses
apenas mulher.
Amélia dos Olhos Doces
se ao menos tivesses
direito a viver!
Amélia gaivota
amante ou poeta.
Rosa de café.
Amélia gaiata
do Bairro da Lata.
Do Cais do Sodré.
Tens um nome de navio.
Teu corpo é um rio
onde a sede corre.
Olhos Doces. Quem diria
que o amor nascia
onde Amélia morre?
Cabelos cor de viúva.
Cabelos de chuva.
Sapatos de tiras
e pões, quantas vezes
não queres e não amas
os homens que dormem
contigo na cama.
Joaquim Pessoa
Soneto
Eu que faço? Que sei? Que vou buscando?
Conto, lugar, ou tempo, a esta fraqueza?
Tenho eu mais que acusar, por mais firmeza,
Toda a vida, sem mais como, nem quando.
Se cuidando, Senhor, falando, obrando
Te ofenda minha ingrata natureza,
Nascer, viver, morrer, tudo é torpeza
Donde vou, donde venho, donde ando?
Tudo é culpa, ó bom Deus, não uma e uma
Descubro ante os teus olhos. Toda a vida
Se conte por delito, e por ofensa.
Mas que fora de nós, se esta, se alguma
Fora mais que uma gota a ser medida
Co largo mar de tua Graça imensa?
D. Francisco Manoel de Melo
(Portugal 1608 – 1667)
(Portugal 1608 – 1667)
21 de fevereiro de 2010
No meio do mundo
Prelúdio
Levanta-se da rocha a flor esmagada
Mais dura do que a rocha e cristalina.
Raízes, caule, pétalas, angústia.
Raízes para sempre ali cravadas,
Caule verticalmente inexorável,
Pétalas miraculosas: pura água.
Minhas mãos são chagas
Para te colher...
Minhas mãos são chamas,
pedaços de gelo...
Levanta-se da rocha a flor esmagada.
Cristovam Pavia
20 de fevereiro de 2010
19 de fevereiro de 2010
A Magdalena
De Noucte a Magdalena vai segura,
Passa per homens d’armas sem temor,
Tam enlevada vai no seu amor,
Que lhe não lembra a quãto s’aventura.
Indo buscar a vida á sepultura
Quando não achou nella o Redentor,
Com suspiros, com lagrimas, com dor
Movia a piedade a pedra dura.
Suave Esposo meu, ah meu só bem
(Co’s olhos no sepulchro começou)
Levarão-vos daqui? aqui vos tinha?
Quem vos levou Senhor, onde vos tem?
Torne-me, meu Senhor, quë mo levou,
Ou leve com seu corpo est’alma minha.
Passa per homens d’armas sem temor,
Tam enlevada vai no seu amor,
Que lhe não lembra a quãto s’aventura.
Indo buscar a vida á sepultura
Quando não achou nella o Redentor,
Com suspiros, com lagrimas, com dor
Movia a piedade a pedra dura.
Suave Esposo meu, ah meu só bem
(Co’s olhos no sepulchro começou)
Levarão-vos daqui? aqui vos tinha?
Quem vos levou Senhor, onde vos tem?
Torne-me, meu Senhor, quë mo levou,
Ou leve com seu corpo est’alma minha.
Diogo Bernardes
(1520 - 1605)
(1520 - 1605)
18 de fevereiro de 2010
Respiro o teu corpo
Nos olhos de Isa
Nos olhos de Isa a chuva grita e a noite
Acende fogueiras.
Os meus olhos param. Nos olhos de Isa.
Oh, nos olhos de Isa espreguiça-se a madrugada
E o vento acorda para ajudar os pássaros a voar
E as árvores a acenar-lhes uma bandeira de folhas, uma tristeza verde.
Nos olhos de Isa.
Nos olhos de Isa a manhã explode num inferno de estrelas,
Num clarão de silêncio, em estilhaços de rosas, pétalas de sombra.
Nos olhos de Isa os poetas vagueiam num bosque de mel
Onde as abelhas constroem a tarde
Desesperadamente.
Nos olhos de Isa ninguém repara na minha solidão.
Joaquim Pessoa
Trovas a este vilancete
Abaix´esta serra
verei minha terra
verei minha terra
Ó montes erguidos
deixai-vos cair,
deixai-vos sumir
e ser destruídos,
pois males sentidos
me dam tanta guerra
por ver minha terra.
Ribeiras do mar,
que tendes mudanças,
as minhas lembranças
deixai-as passar.
Deixai-mas tornar
dar novas da terra
que dá tanta guerra.
Francisco de Sousa (séc. XV)
17 de fevereiro de 2010
A saudade na mulher
A saudade na mulher
mata o coração e a alma,
porque momento não acalma
a tormenta que tiver.
Que tu, se te vais de mi,
verás outras formosuras,
falas e ouves doçuras;
mas eu não vejo sem ti
senão coisas muito escuras.
Gil Vicente (1465-1539)
Ai Deus, e u é?
Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo!
Ai Deus, e u é?
Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado!
Ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amigo,
- aquel que mentiu do que pôs comigo?
Ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amado,
aquele que mentiu do que m´há jurado,
Ai Deus, e u é?
Vós me perguntades polo voss´amigo?
E eu bem vos digo que é san´e vivo.
Ai Deus, e u é?
Vós me perguntades polo voss´amado?
- E eu bem vos digo que é viv´e sano.
Ai Deus, e u é?
E eu bem vos digo que é san´e vivo,
e será vosc´ant´o prazo saído.
Ai Deus, e u é?6
E eu bem vos digo que é viv´e sano,
e será vosc´ant´o prazo passado.
Ai Deus, e u é?
Dom Dinis (1261-1325)
16 de fevereiro de 2010
Soneto martelado
A tarde, e por de mais calma,
Afogou-me o que ficara da partida
Tudo que inventara, essa mentira querida
Que ficara fazendo as vezes da alma.
Passa e segue a triste gente calada
E o correio e a luz quebrada no muro
Trazem a tarde, recortando duro
O perfil triste e morno desta minha estrada.
E choca e vem de mim até ao céu polido
Liso e puro e sempre igual estendido
Sobre mim e a rua desolada,
Uma ilusão que nada tem de alada
E é feita de aço puro e diamantes:
Não querer tornar-me no que era dantes.
José Blanc de Portugal
15 de fevereiro de 2010
Poderia ter escrito a tremer
Poderia ter escrito a tremer de respirares tão longe
Ter escrito com o sangue.
Também poderia ter escrito as visões
Se os olhos divididos em partes não sobrassem
No vazio de ceguez
E luz.
Poderia ter escrito o que sei
Do futuro e de ti
E de ter visto no deserto
O silêncio, o fogo e o dilúvio.
De dormir cheio de sede e poderia
Escrever
O interior do repouso
E ser faúlha onde a morte vive
E a vida rompe.
E poderia ter escrito o meu nome no teu nome
Porque me alimento da tua boca
E na palavra me sustento em ti.
Daniel Faria
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