14 de fevereiro de 2010

A Avó


A avó, nos trémulos dedos
Mal sustendo o leve fuso,
Ouve ao longe o som confuso
Duns inocentes brinquedos.

– Achando aberto o jardim,
(Diz a velha) é sempre assim:
São como as aves inquietas...
Nem eu sei quem voa mais,
Se os incansáveis pardais,
Se as minhas queridas netas –

E a avó, nos trémulos dedos
Fazendo girar o fuso,
Ouve a rir o som confuso
Dos tais longínquos brinquedos.

Eis principia a assomar,
Da cadeira no espaldar,
A face risonha e linda
Duma das netas; e a avó,
Pensando que está bem só,
Fala das netas ainda.

Fala, e nos trémulos dedos
Fazendo girar o fuso,
Ouve a rir o som confuso
Dos tais longínquos brinquedos.

Nisto um rosário, que está
Pendurado há muito já
Num dos braços da cadeira,
Escorrega e cai ao chão,
Por lhe haver tocado a mão
Daquela infantil brejeira...

E a avó, dos trémulos dedos
Deixando cair o fuso,
Já não ouve o som confuso
Dos tais longínquos brinquedos;

Mas assustada, ao sentir
O seu rosário cair,
Volta a nevada cabeça
E inda distingue o rumor,
Que faz, pelo corredor,
A neta, fugindo à pressa.

E, do cesto das meadas,
A avó, levantando o fuso,
Ouve a rir um som confuso
De longínquas gargalhadas...

Guilherme Braga